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“Fazer multidão”: o desafio prático da teorização negriana do Comum outubro 30, 2007

Posted by psicologiadareligiao in Antonio Negri, comum, multidão, produção de subjetividade, subjetivação.
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Abrindo a reflexão…

No começo deste ano, encontrei a seguinte frase de Deleuze num blog:

“Os modos de vida inspiram maneiras de pensar, os modos de pensar criam maneiras de viver.”

Como não havia referência sobre o lugar de onde a frase havia sido retirada, escrevi ao proprietário do blog perguntando. Ele não apenas me deu a referência exata: “DELEUZE, G. – Nietzsche. Lisboa: Edições 70, 1994. p.17-18, como me mandou o livro de presente, pelo correio – o livro viajou de Minas Gerais a Porto Alegre. O gesto do prof. Eduardo Simonini me comoveu.

Faço uma ponte desse acontecimento com um outro, para fomentar a reflexão…

Foi em meio a um estudo mais aprofundado sobre Pós-Modernidade – que resultou na publicação do livro “Para entender Pós-Modernidade” (da série: Para entender – da Editora Sinodal) – que os conceitos de multidão e de comum, de Negri, fizeram um novo sentido pra mim. A despeito de várias críticas que tenho lido sobre o pensamento de Negri e Hardt, esses autores, juntamente com Virno, Lazzarato, Cocco e mais alguns outros, têm sido, em minha opinião, alguns dos pensadores da atualidade cuja reflexão teórica possibilita dialogar com distintos campos de saber, como a Tecnológica-Informacional e as diferentes áreas no campo das Humanas (inclusive a Psicanálise) no sentido de pensar alternativas possíveis à produção maciça de empobrecimento da subjetividade na contemporaneidade.

Qual a potência constituinte dessas noções de multidão e comum no que diz respeito a invenção de outras alternativas face a subjetivação contemporânea que contempla a hiperindividualização, a competição, o auto-interesse, a troca baseada no lucro sobre o outro?

Alguns subsídios para pensar a questão…

1. Sobre a noção de multidão

Em Gramática da Multidão, Virno observa que foi sobre o racionalismo moderno que se construiu, entre outras narrativas, a idéia de povo. Para ele,

a alternativa entre ‘povo’ e ‘multidão’ esteve no centro das controvérsias práticas (fundação do Estado centralizado moderno, guerras religiosas, etc.) e teórico-filosóficas do Século XVII. Esses dois conceitos em luta, forjados no fogo de agudos contrastes, jogaram um papel de enorme importância na definição das categorias sócio-políticas da modernidade. A noção de ‘povo’ foi a prevalecente. ‘Multidão’ foi o termo derrotado, o conceito que perdeu” (Virno, 2003, online).

Não nos esqueçamos: foi ancorado na idéia moderna de “povo” que o mundo assistiu ao quase extermínio de todo o povo judeu!!

Virno faz as seguintes observações contrapondo povo e multidão:

“o povo tende para o Uno. Os ‘múltiplos’ derivam-se do Uno. Para o povo, a universalidade é uma promessa; para os ‘múltiplos’, é uma premissa”. E cita Hobbes: “o povo é um Uno, porque tem uma única vontade e, a quem se lhe pode atribuir uma vontade única” (apud Virno, 2003, online).

A multidão pode tomar diferentes formas: a de povo (com uma identidade) a de massa (homogênea) e a forma da multidão: “uma multiplicidade de singularidades”.

“a multidão é a forma de existência política e social dos muitos enquanto muitos: forma permanente, não episódica nem intersticial” (Virno, 2003, online).

Negri, por sua vez, afirma: “cada corpo é uma multidão”. Contudo, esse corpo só existe em relação com o outro. Multidão é, então, “um conjunto de singularidades cooperantes que se apresentam como uma rede, uma network, um conjunto que define as singularidades em suas relações umas com as outras” (Negri, 2005, online).

2. Sobre o comum…

Dois momentos de um processo…

Primeiro – Quem não se recorda dos acontecimentos em Paris, no final de outubro e começo de novembro de 2005? Na periferia de Clichy-sous-Bois, cidade localizada na região metropolitana de Paris, acontece um assalto e o proprietário chama a polícia. A polícia vê dois adolescentes negros e se aproxima para checar informações. Embora nada tivessem a ver com o ocorrido, por medo dos policiais os adolescentes fogem. Na fuga, morrem eletrocutados ao tentarem se esconder num transformador de energia. Esse acontecimento faz irromper toda uma fúria reprimida e durante dias seguidos, começa uma onda de queima de carros como forma de um protesto raivoso contra as mortes dos adolescentes. Há um contágio dessa violência que passa a tomar forma de expressão em diferentes regiões do país.

Sobre isso, o prof. Malini escreve no texto de defesa de sua tese de doutoramento:

Na Internet, um dos amigos das vítimas acaba criando um blog para homenageá-las, o “Bouna et Zied”, estampando o slogan que marcou o acontecimento: Mort pour Rien (Mortos à toa). A Polícia acusa o blog de estimular as manifestações violentas da juventude pobre nas periferias. E o site é retirado do ar pelo seu servidor. O mesmo se repete com outros blogs, que passaram, num primeiro momento, a emitir opiniões e manifestos sobre a morte de Bouna e Zieda; e depois para emitir um boletim sobre o como havia sido o protesto naquele dia. Mais de 1700 blogs debatem o tema, sem contar a diversidade de publicações e listas de discussão online. Muitos blogueiros são interpelados pela Polícias que os enquadram na lei francesa por atos criminais. A nova lei penal francesa pune aqueles que fazem, por meio da comunicação eletrônica, provocações que surjam efeitos na sociedade.

(…) A revolta da periferia logo chega no Youtube e no DailyMotion, onde são hospedados mais de 1000 vídeos relacionados ao caso. Juntos esses filmes foram exibidos alguns milhões de vezes. E ainda continuam lá, provocando debates, comentários e novas exibições. Houve ainda a publicação de entrevista, na forma de áudio, audiovisual ou texto escrito, com os pais dos adolescentes e os jovens que participam do conflito, em vários pequenos jornais de alcance regional e comunitário. É uma explosão de sentidos que escapam aquela velha lógica da repetição da mesma informação nos veículos de comunicação de massa, a circulação circular da informação que falava Pierre Bourdieu, haja visto o fato de nós, jornalistas, nos pautarmos muitas vezes pelo o que os outros jornais estão agendando. (…)

Paralelo a isso os jornalistas tinham dificuldades de entrar na zona de combate, e de dentro, jovens se comunicavam pelo celular para resistir a Polícia e continuavam a publicar conteúdos na Internet e a estimular a participação da sociedade, agora em nível global, sobre o significado do conflito.

Segundo – Ontem, a Rede Globo exibiu no Fantástico uma reportagem feita por Regina Casé, a respeito de como vive essa comunidade, hoje. Os registros dos acontecimentos daquela época foram organizados em forma de um vídeo-documentário, com finalidade de mostrar ao mundo uma outra versão dos fatos, narrada na perspectiva dos próprios participantes.

A identificação com o outro – base onde se pode construir o comum – pode tanto se expressar em um viés destrutivo (de si e do outro) quanto afirmativo, criador e produtor de outras singularizações.

Para continuar pensando…

Talvez uma das dificuldades de fazer a passagem do “ser multidão” para “fazer multidão” tenha a ver com nossa fraca capacidade de criação de outras formas de pensamento (me lembro da citação de Deluze, no início desse post) e de relação com o outro, a fim de que a base de identificação entre singularidades potencialize um “comum” afirmativo de outras existencialidades possíveis – um comum que extrapole crenças religiosas, assunção intelectual de teorias filosófico-ideológicas, idealizações de diferentes espécies, etc…

Quais outras dificuldades ainda poderíamos listar? Compartilhe aqui a sua idéia… quem sabe poderemos construir alguma coisa bela sobre uma base comum?

Se vc quiser acessar a “Gramática da Multidão – Para uma análise das formas de vida contemporâneas”, de Paolo Virno, acesse o site: http://br.geocities.com/autoconvocad/gramatica_da_multidao.html

Para ler a entrevista com A. Negri onde ele menciona o “ser multidão” e “fazer multidão, acesse o site: http://www.universidadenomade.org.br/full_text.shtml?x=2574

Além da entrevista, vc pode acessar também a palestra de Negri sobre: AConstituição do Comum

O texto do Prof. Malini está em: http://fabiomalini.wordpress.com/2007/04/29/o-comunismo-das-redes/
(Texto completo onde o Prof. Malini narra os eventos acima: Comunismo das Redes)

 

 

Cinema e Psicologia da Religião: Tropa de Elite X Paradise Now outubro 24, 2007

Posted by psicologiadareligiao in Cinema e Psicologia da Religião, Religião e Sociedade, René Girard, sacrifício, Sagrado.
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“Construir juntos” os infinitos sentidos “possíveis” no espaço da ilusão (que é o espaço de invenção da Arte, da Filosofia e da Religião, segundo Winnicott) tem sido a proposta desse blog Psicologia da Religião. Mas, por enquanto, apesar do número considerável de acessos, num período tão curto de tempo (menos de dois meses) pode-se dizer que ele tem sido mais objeto de consumo do que dispositivo de criação em comum. Este post é uma tentativa de abrir um espaço mais escancarado para um começo… (Quem sabe pelo viés da arte seja menos difícil?) .

Assim, a postagem de hoje solicita uma aproximação mais efetiva do leitor/a interessador/a no tema. Por favor, sinta-se à vontade para deixar aqui suas idéias, questionamentos, “associações livres”, tendo como ponto de partida dois filmes. TROPA DE ELITE – “MISSÃO DADA É MISSÃO CUMPRIDA”. Como o filme “está na moda”, quase “todo mundo” sabe do que se trata. O outro filme é: “PARADISE NOW”.

Paradise now

Diz a sinopse:

“Amigos de infância, os palestinos Khaled (Ali Suliman) e Said ( Kais Nashef) são recrutados para realizar um atentado suicida em Tel. Aviv. Eles são levados à fronteira com bombas presas ao corpo. A operação não ocorre como o palenjado e eles acabam se perdendo um do outro. Separados, Khaled e Said têm de enfrentar seu destino e as próprias convicções.”

Paradise now - 01

Paradise now - 04

Ambos os filmes mostram formas diferentes de violência, expressas em culturas diversas e por uma motivação bastante diversa. Ambos trazem elementos bem interessantes para uma reflexão sobre Psicologia, Religião, Psicologia da Religião… mas muito mais : ambos nos fazem pensar sobre a vida, sobre as nossas crenças e nossos ideais, as nossas motivações, o modo como enxergamos o outro, etc, etc…

Girard, em seu estudo sobre “A violência e o sagrado” afirma:

não há (…) violência que não possa ser descrita em termos de sacrifício” e se interroga: “por que ninguém se pergunta sobre as relações entre o sacrifício e a violência?” (Girard, 1990, p. 13, 14).

Se vc quiser ler um pouco mais sobre o estudo de Girard sobre a violência e o sagrado, acesse o texto: Girard e o Aprisionamento do Desejo”

Excelente o texto do prof.  Jurandir Freire Costa sobre Tropa de Elite e o Ano em que meus pais saíram de férias. O título do artigo é: “O ano em que daremos férias à tropa de elite”. Vc pode acessá-lo em: http://jfreirecosta.sites.uol.com.br/

Para ler a crítica de Régis Trigo, sobre Paradise Now, acesse aqui.

Sinta-se encorajado/a a deixar aqui suas reflexões. Vc pode fazê-lo clicando acima em “add a comment”.

Saúde e Espiritualidade – o mais recente enfoque em Programa de Pós-Graduação em Saúde Brasileira outubro 23, 2007

Posted by psicologiadareligiao in Espiritualidade, pesquisa, Religião e Psiquiatria, Religião e Sociedade, Saúde e Religiosidade.
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Com surpresa tomei conhecimento, pela internet, do Programa de Pós-Graduação em Saúde Brasileira, da Universidade Federal de Juiz de Fora. Sem dúvida, trata-se de uma novidade que vem atender uma demanda que vinha sendo negligenciada no campo das pesquisas acadêmicas no Brasil. Vários programas de Pós-Graduação em Saúde e Saúde Coletiva, a exemplo da maioria dos cursos de Psicologia, fecham os olhos ao tema da religiosidade/espiritualidade (como se saúde nada tivesse a ver também com questões referentes à espiritualidade, apesar do Brasil ser um país tão religioso e constatarmos na prática clínica, sofrimentos profundamente relacionados à questões de caráter religioso/espiritual). As pesquisas sobre Religião e religiosidade têm se restringido bastante às áreas da Teologia, Ciências Sociais, Antropologia e Sociologia. Faz falta a perspectiva da Psicologia e da Psiquiatria e mesmo da Medicina e da Saúde. Era tempo da academia acordar para a pesquisa nessa área!

O professor Alexander Moreira de Almeida, coordenador do Programa faz a seguinte observação:

Estudar cientificamente a espiritualidade é uma empreitada muito entusiasmante e perigosa.Essa é uma área repleta de preconceitos, preconceitos a favor e contra a espiritualidade. A maioria das pessoas tem opiniões sobre o tema, mas habitualmente essas opiniões foram formadas sem uma análise aprofundada das evidências disponíveis. É fácil deslizar, por um lado, para um ceticismo intolerante e uma negação dogmática ou, por outro, para uma aceitação ingênua de afirmações pouco fundamentadas. Não importa se possuímos crenças materialistas ou espirituais, atitudes religiosas ou anti-religiosas, necessitamos explorar a relação entre espiritualidade e saúde para aprimorar nosso conhecimento sobre o ser humano e nossas abordagens terapêuticas.”

Acesse também, o artigo de Harold G. Koening, sobre: Religião, espiritualidade e Psiquiatria: uma nova era na atenção à saúde mental

Mais informações sobre o Programa em Saúde Brasileira podem ser encontradas no ítem 4 da página Instituições.

Produção de Subjetividade e Nobel da Paz 2007 – Parte II outubro 19, 2007

Posted by psicologiadareligiao in Al Gore, Antonio Negri, ética, Nobel da Paz, produção de subjetividade, Religião e Sociedade.
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“Toda uma dinamização da retomada de confiança da humanidade em si mesma está para ser forjada aos poucos. O ideal é dificultar o pessimismo e a passividade que nos envolvem”. F. Guattari.

No Post anterior, levantei a questão sobre o que o prêmio Nobel da Paz 2007 pode ter a ver com a Psicologia da Religião. Antecipei que o ponto em comum que merece ser pensado é o da produção de subjetividade – a partir da perspectiva da ecologia – e as relações possíveis com a Teologia (em particular a cristã).

A entrevista com Berge Furre, vice-presidente do Comitê Nobel, nos forneceu alguns dados sobre o trabalho do Comitê e as razões da escolha do nome de Al Gore e IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) como os laureados pelo Nobel da Paz neste ano. O comitê entende que “a questão do clima é um dos problemas mais importantes da humanidade”, e Al Gore “tem capacidade para proclamar ao mundo sobre essa ameaça [do aquecimento global] e agora temos um porta-voz para acordar a todos sobre esta questão. Assim, ‘acordar’ o mundo sobre esse problema foi a razão que levou o comitê a colocar esse tema no centro dos interesses mundiais”.

Várias pessoas questionam a legitimidade do prêmio Nobel da Paz para Al Gore/IPCC, lançando dúvidas sobre as intenções políticas motivadoras do trabalho que Al Gore realiza. Não me parece profícua essa discussão quando qualquer neófito pode constatar, sem a mínima reflexão, apenas com a percepção do senso comum, a verdade dos fatos apontados por Al Gore. Tem havido, sim, e muito mais rápido do que se pensava algum tempo atrás, uma mudança climática com efeitos devastadores sobre o planeta, ameaçando a própria continuidade da vida na terra. Portanto, no debate proposto aqui, não cabe perder tempo com atitudes pré-concebidas. Vale a pena abrir um espaço de escuta ao que ele está dizendo e fazendo.

O que me parece importante pensar – e aqui, sim, começamos a visualizar o que isso pode ter a ver com a Psicologia da Religião – é a reflexão sobre as bases, as estratégias, o alcance e os efeitos do trabalho e luta de Al Gore. Seu fazer carrega a potência criadora de uma outra realidade. A luta de Al Gore parece trilhar o caminho do “poder constituinte” – que emprega as energias em uma política de subjetividade que escapa à lógica do poder constituído. O poder constituído produz uma configuração social que expressa, com seus valores essencialmente capitalistas, uma perspectiva reducionista da vida. Al Gore chama a atenção: “Isto não é uma questão política, mas é, sim, uma questão moral” (This is really not a political issue, so much is a moral issue”). Qual é a ” inconveniência” da verdade de Al Gore? Ele a resume na frase: “Nossa capacidade de viver é o que está em jogo, é o que estamos prestes a perder” (“Our ability to live is what is at stake”). Veja aqui o trailer do documentário. A verdade inconveniente de Al Gore é que no fundo ela aponta para a necessidade da criação de outros modos de vida, de outras condições de existência, para além da perspectiva da exploração e do lucro. Ela aponta para a necessidade de criação de outras políticas de subjetividade porque não se escasseiam apenas os recursos naturais que dão condições para a vida. Empobrece-se também de subjetividade. O documentário de Al Gore incide sobre o desejo – “a força determinante nos processos de constituição do político e da formação do social”, como pontua Negri.

Perceber o trabalho de Al Gore como um fazer que trilha os caminhos do poder constituinte é reconhecer que sua estratégia de luta busca “fazer multidão” (multitude) . Incidindo no desejo, Al Gore convoca a potência criadora presente nas singularidades que constituem a multidão. Estamos tomando aqui, a noção negriana de multidão, intimamente ligada à construção do comum. Multidão, para Negri, “é o reconhecimento de que por trás de identidades e diferenças, pode existir ‘algo comum’ – (…) entendido como proliferação de atividades criativas, relação ou formas associativas diferentes” (Negri, 2003, p. 148). Neste sentido, o ser multidão se expressa no fazer multidão através da cooperação, do trabalho que se produz em comum, que se forma e se prolifera através das redes. Trata-se portanto, de um dispositivo de guerra contra a forma como o capitalismo atual se configura. Nesse ponto creio ser necessário fazer jus ao que Guattari já dizia desde 1990, com a publicação do seu trabalho “As três Ecologias”.

A meu ver, a luta de Al Gore se aproxima das reflexões de Guattari no ponto em que ambos colocam em evidência que o que está em questão é a degradação da vida no planeta – no sentido ambiental, sim, mas também na dimensão individual e coletiva. E essas três ecologias – a do ambiente, a do social e a da subjetividade – como Guattari coloca, são indissociáveis, sofrem os mesmos processos de degradação e devem ser, por isso, alvo de nossa luta hoje.

Em 2001, o teólogo Leonardo Boff ganhou o Prêmio alternativo da Paz, em Estocolmo, por “articular ecologia, justiça social e espiritualidade em seu livro “Ecologia: Grito da Terra, Grito do Pobre”, publicado em 1995. Neste livro, Boff também aborda as três ecologias: ambiental, social e mental, e acrescenta ainda, uma “ecologia integral”. Boff desenvolve uma Teologia (cristã) que enfoca a mensagem bíblica de libertação integral: do planeta, das relações sociais e da subjetividade aprisionada nos modos dominantes de existência.

Penso que a Psicologia da Religião em muito pode contribuir com a reflexão sobre os processos de produção de subjetividade contemporânea, especialmente quando traz para o debate, a produção de determinadas expressões de espiritualidade assentadas nos mesmo valores capitalistas de exploração e lucro, que Al Gore denuncia com sua “verdade incoveniente”. Não falta em nosso país tão religioso, exemplos de grupos e instituições produtoras de uma subjetividade religiosa capitalística. Precisamos, sim, “lutar pela instauração de novos sistemas de valorização que não tenham como único critério o lucro. Há outras espécies de rentabilidade possíveis e necessárias, nos lembra Guattari, como por exemplo, uma rentabilidade estética [ambiental], social e de desejo [subjetividade]”(Rolnik, online, “ética do real”).

Leia também, a resenha de Suely Rolnik, do livro “As três ecologias”, de Felix Guattari – Ética do Real

Acesse, também, a versão do livro de Guattari, em espanhol, Las Tres Ecologias, em: http://static.scribd.com/docs/jrudjl05wu71b.pdf

Produção de subjetividade e Nobel da Paz 2007 – Entrevista com o vice-presidente do Comitê Nobel outubro 17, 2007

Posted by psicologiadareligiao in Al Gore, Nobel da Paz, produção de subjetividade.
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Talvez alguns se perguntem o que tem a ver o Nobel da Paz – 2007 e a Psicologia da Religião. O ponto em comum que merece ser pensado é o da produção de subjetividade – a partir da perspectiva da ecologia – e as relações possíveis com a Teologia (em particular a cristã).

Quero dividir esse tema em duas postagens. Nesse primeiro post vou colocar apenas a entrevista que fiz com Berge Furre, vice-presidente do Comitê Nobel. Penso que é importante conhecer um pouco sobre o Prêmio Nobel, para depois seguirmos com a reflexão proposta.

Berge Furre é historiador e professor de História da Igreja na Universidade de Oslo. Aposentou-se este ano, mas continua com trabalho de orientação a estudantes no Programa de Doutorado. Tive o privilégio de ser aluna do professor Berge (no Mestrado e Doutorado) e, também, de trabalhar com ele num Projeto de Pesquisa Internacional – RIGA – Religion in a Globalized Age – no período de 2001 a 2005. A pesquisa, enfocando a relação entre processos de globalização e religião, foi realizada em 7 países, entre eles o Brasil. Fui a pesquisadora brasileira engajada no projeto. A pesquisa no Brasil, sob a coordenação do Prof. Berge, foi sobre a Igreja Universal do Reino de Deus. Além de historiador e professor, Berge é também pastor luterano e um político muito respeitado na Noruega. É membro co-fundador do Partido Socialista de Esquerda. A entrevista foi concedida por e-mail.

Você poderia falar um pouco sobre o Comitê Nobel, o modo como este funciona, os “bastidores” do processo de escolha do Nobel da Paz?

O comitê Nobel tem cinco membros designados pelo parlamento Norueguês (Stortinget). Quatro são ex-políticos (do parlamento ou do governo). Um membro, o presidente, é professor e médico. Todos têm experiência política, mas agora, como membros do Comitê, nenhum deles faz parte do parlamento ou do governo. Os membros são todos “livres” – pessoas independentes – sem relações formais a partidos. O trabalho do comitê é baseado no princípio da unanimidade – “consensus”. Nós temos discussões vivas durante o processo de escolha, mas buscamos sempre a unanimidade no comitê. Sobre o modo como trabalhamos, o que eu posso dizer é que os nomes têm de ser apresentados até o dia 1º de fevereiro. Qualquer membro de qualquer governo, qualquer parlamentar, ou outros grupos, podem apresentar candidaturas. Neste sentido, é muito fácil haver uma candidatura e por isso a lista é grande. No início de cada ano, recebemos uma lista de quase 200 nomes e começamos as discussões para ir diminuindo o número dos concorrentes. Nós temos ajuda de especialistas noruegueses, mas também consultamos alguns especialistas estrangeiros. Mais ou menos em junho, julho, a lista dos candidatos já está bastante reduzida e trabalhamos apenas com alguns nomes, para chegar, finalmente, a uma decisão que é anunciada, normalmente, em outubro, por volta do dia 10-12.

Por que o Comitê Nobel escolheu Al Gore/IPCC (– Intergovernamental Panel on Climate Change) para o prêmio deste ano?

O comitê escolheu a questão do clima como um dos problemas mais importantes da humanidade: O painel sobre clima, das Nações Unidas, mostra quatro relatórios cada vez mais assustadores. Trata-se de uma ameaça séria à vida no planeta. Al Gore é uma pessoa que tem trabalhado nesta área há mais ou menos 20 anos e baseia-se em relatórios científicos que apresentam a ameaça trazida pelas mudanças climáticas. Ele tem capacidade para proclamar ao mundo sobre essa ameaça e agora temos um porta-voz para acordar a todos sobre esta questão. Assim, “acordar” o mundo sobre esse problema foi a razão que levou o comitê a colocar esse tema no centro dos interesses mundiais.

Quais outras pessoas concorreram ao prêmio deste ano? Uma curiosidade: algum brasileiro/a foi nomeado para o Nobel este ano? Quem?

O comitê nunca publica nomes de outros candidatos. É um segredo nosso. Minha boca está fechada a “sete chaves”.

Provavelmente muitos têm curiosidade em saber por que o Nobel da Paz é concedido por um Comitê da Noruega, enquanto outros Prêmios Nobel são outorgados por um comitê na Suécia. Você poderia falar um pouco sobre isso?

O testamento de Alfred Nobel determina que os prêmios a pessoas ou instituições na área da Física, Medicina, Química, e Literatura sejam dados por comitês suecos. Alfred Nobel também declarou que o prêmio da paz seria escolhido pelo Parlamento Norueguês. Por que Suécia ou por quê outro país? Porque Noruega? Há diferentes teorias. Uma: Noruega e Suécia eram países unidos no período entre 1814-1905. A Noruega não tinha um Ministério das Relações Exteriores. O Ministério dos Negócios Estrangeiros ficava nas mãos do rei de Estocolmo na Suécia. Talvez, então, o sentido de ser a Noruega o país responsável de escolher o prêmio da paz resida no fato dela não ter uma política estrangeira. Desse modo, o prêmio não correria o risco de se “misturar” à política internacional da Suécia. Outra teoria: As relações entre Noruega e Suécia eram tensas (a união foi dissolvida em 1905). É possível que Alfred Nobel pensasse que desse modo – através do prêmio – as relações entre Suécia e Noruega pudessem ser fortalecidas.

Alfred Nobel, o criador do Prêmio Nobel da Paz, deixou escrito que o prêmio deveria ser outorgado a pessoas que reconhecidamente contribuíssem para a redução do armamento, para o fortalecimento da fraternidade entre as nações e para a promoção da paz mundial. Em 2004, a ganhadora do prêmio foi a queniana Wangari Maathai, conhecida por sua luta pelo ambiente. No ano passado, Yunus, idealizador do banco de microcréditos, conhecido pela sua luta contra a pobreza. Neste ano, Al Gore e IPCC, pela prática de uma política voltada às questões em torno da mudança climática. Trata-se de uma nova política de reconhecimento em torno da questão da promoção da paz no mundo?

Nas primeiras décadas, os prêmios foram outorgados a pessoas e organizações cujo trabalho tinham uma relação direta a conflitos de guerra. Mas em 1960, Albert Lutuli, da África de Sul, recebeu o prêmio por idéias voltadas aos direitos humanos (Apartheid). Passo a passo, o comitê escolheu laureates envolvidos não apenas em soluções de conflitos, mas também em áreas de direitos humanos e ambiente. Paulatinamente tem-se desenvolvido o entendimento da articulação entre direitos humanos, questões do ambiente em relação à promoção da paz. O comitê estende cada vez mais a área de abrangência do prêmio por compreendê-lo em uma perspectiva humana do mundo. No testamento de Alfred Nobel uma frase é especialmente importante na escolha do prêmio: “A confraternização dos povos”.

Alguns representantes religiosos, como Dalai Lama, Madre Teresa de Calcutá, Luther King, foram laureados com o Nobel da Paz. Vc é professor de História da Igreja na Faculdade de Teologia e é pastor luterano num país que tem uma religião estatal. A pergunta agora é para você como teólogo e membro do Comitê. É claro que a religião tem um importante papel na promoção da paz no mundo. Em sua opinião, quais seriam os principais desafios da religião hoje na promoção da paz?

De fato, muitos laureados têm uma relação à religião, como você aponta. É também um fato que em conflitos (de guerra, de direitos humanos, de ambiente), as soluções de paz muitas vezes tem um engajamento religioso. Muitas pessoas hoje falam do “retorno da religião”, pontuando o fim da “era do secularismo” . Não sei se é verdade e se há mesmo um “retorno da religião”. Em geral, a religião é uma “benção”. Entretanto, graves conflitos hoje têm elementos religiosos, especialmente na forma de fundamentalismo. Religião é um fenômeno “perigoso” quando está nas mãos de poderes. Posso mencionar Paquistão, Índia, Bósnia, Iran, Israel/Palestina.
Mas acho que a religião também pode ser um fator importante no fortalecimento das forças de paz e liberdade. Exemplo: África do Sul e a briga contra apartheid. Também acho que a religião pode “sobreviver” aos conflitos através do dialogo entre as religiões. Diálogo entre líderes religiosos e grupos
religiosos podem ajudar a construir a paz, a aumentar a tolerância e a compreensão entre povos e grupos religiosos. Os líderes religiosos tem uma responsabilidade importante neste mundo e têm responsabilidades, também, frente às questões da crise climática.

Obrigada, Prof. Berge, pela entrevista.

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Os olhares do Cuidado: dimensões da integralidade em saúde outubro 11, 2007

Posted by psicologiadareligiao in Aconselhamento Pastoral, cuidado, Espiritualidade, Saúde e Religiosidade.
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Como abordar a questão da integralidade em saúde se deixarmos de fora a dimensão da espiritualidade/religiosidade, esse difícil tema que insiste em se fazer presente até mesmo quando parece ausente? Para pensar sobre a questão da espiritualidade e sua relação com a prática do cuidado e da busca da integralidade em saúde, 3 “dispositivos” serão aqui evocados. O que poderá emergir como possíveis “conclusões” ou mesmo outras questões para se continuar pensando a partir dos dispositivos apresentados fica em aberto, à espera, talvez, daqueles/as com coragem para deixar aqui suas contribuições.

Dispositivo 1 – fábula: “Cura” – O sentido de cura e cuidado

A palavra “cura” vem do latim – curare – significa cuidado, atenção, “preocupação com”. Não é por acaso que o título da Fábula de Higino, também contada por Goethe, no segundo ato de Fausto, traz o título “Cura”. Em sua obra Ser e Tempo, Heidegger utiliza-a como idéia central para desenvolver a reflexão sobre cuidado como um “modo de ser do humano”. O cuidado pré-figura a existência humana, perpassa-a e a constitui, sendo então, condição da continuidade da existência. Vamos à lenda:

Quando um dia o Cuidado atravessou um rio, viu ele terra em forma de barro: meditando, tomou parte dela e começou a dar-lhe forma. Enquanto medita sobre o que havia criado, aproximou-se Júpiter. O Cuidado lhe pede que dê espírito a essa figura esculpida com barro. Isso Júpiter lhe concede com prazer. Quando, no entanto, o Cuidado quis dar seu nome à sua figura, Júpiter o proibiu e exigiu que lhe fosse dado o seu nome. Enquanto o Cuidado e Júpiter discutiam sobre os nomes, levantou-se também a Terra e desejou que à figura fosse dado o seu nome já que ela lhe tinha oferecido uma parte do seu corpo. Os conflitantes tomaram Saturno para juíz. Saturno pronunciou-lhes a seguinte sentença, aparentemente justa: Tu Júpiter, porque deste o espírito, receberás na sua morte o espírito; tu Terra porque lhe presenteaste o corpo, receberás o corpo. Mas, porque o Cuidado por primeiro formou essa criatura, , irá o Cuidado possuí-la enquanto ela viver. Como, porém, há discordância sobre o nome, irá chamar-se homo (homem), já que é feito de húmus (terra) (Heidegger: 1988, p. 263-4).

Dispositivo 2 – vídeo – A Integralidade da assistência em saúde

(vídeo produzido pelo BERRO – Laboratório de Artes Cênicas da UFPI disponível em: http://www.abepsi.org.br/abep/videos.aspx#)

“Entre desejo e realidade” (como se pode ler nas inscrições iniciais do vídeo) está a cegueira e o não-olhar o outro como impedimento para a promoção efetiva da cura/cuidado. O cuidado supõe olhar o outro em sua singularidade. Tem como condição ouvir o desejo do outro ainda que o mesmo pareça óbvio àquele que ocupa o lugar de cuidador. O cuidado não é algo que se dá a outro, mas que se pratica com o outro, implica em circulação de afetos, em algo que se cria em comum. Quanto nossa escuta e nosso olhar estão abertos em nossa prática de cuidado? Quanto permitimos que todo o nosso corpo, olhos, ouvidos, coração e mente sejam afetados e ativados nos encontros de afeto com o outro?

Dispositivo 3 – narrativas da vida de Jesus – O olhar o outro, a escuta do desejo e a valorização das crenças pessoais

Duas narrativas, recortadas do Segundo Testamento, contam a história de pessoas cegas buscando pela cura. A primeira é de um morador da cidade de Jericó – lugar onde acontece o encontro desse cego com Jesus. Ao perceber a agitação da cidade em razão da visita do Filho de Deus àquele lugar, aproveita a oportunidade e clama por misericórdia. As pessoas ordenam que ele se silencie, mas ele grita cada vez mais alto. Jesus vê que ele é cego, mas a despeito disso, evoca seu desejo de cura na pergunta de algo “aparentemente” óbvio: “Que queres que eu te faça?” (Marcos 10: 46-52). Jesus não se colocou no lugar de de alguém que “sabe” de antemão o desejo do outro, ainda que pudesse supô-lo. Ele pergunta pelo desejo: “o que você quer?”. O resultado desse encontro é descrito na frase: “Vai, a tua fé te salvou”. A segunda narrativa conta a história de dois cegos que pedem a cura e Jesus lhes pergunta: “vocês crêem que eu posso fazer isso?” À resposta afirmativa de ambos, Jesus diz: “Seja feito segundo a fé de vocês!”(Mateus 9: 27-28). Em ambas as narrativas, o posicionamento de Jesus frente aos que buscam a cura não é de alguém que sabe de antemão o desejo do outro. Pelo contrário, sua atitude revela que parece-lhe parte integrante do processo de cura, a ativação de um elemento que não depende do “curador”, mas que tem a ver com a implicação das partes envolvidas num processo de criação – em conjunto – de uma outra realidade. No caso dos cegos, esse elemento era a fé, a crença, os valores que possuíam – era a subjetividade de cada um que era convocada no processo de cura. É possível depreender dessas narrativas que a cura/cuidado é uma via de duas mãos, é algo que se constrói em comum, sobre uma base mínima de identificação onde as condições de possibilidade de emergência de uma outra configuração depende do olhar do outro e de uma escuta que agencia o desejo no processo de cura e de afirmação mesma da vida.

Post relacionado: Prática Clínica e Espiritualidade

Prática clínica e espiritualidade: Como (e a quem cabe) atender a demanda espiritual de pacientes com enfermidades crônicas? outubro 7, 2007

Posted by psicologiadareligiao in Aconselhamento Pastoral, Aconselhamento Psicológico, Espiritualidade, Pesquisas em Psic. da Relig., Saúde e Religiosidade.
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Estudos realizados junto a pacientes com enfermidades crônicas de difícil prognóstico (HIV, dores crônicas, cardiopatias, esclerose múltipla, pacientes terminais, etc) destacam a importância do enfrentamento religioso nesse contexto de cuidado, salientando, também, os benefícios daí advindos (Rivera-Ledesma, 2007). Tem-se constatado, a partir de várias pesquisas, a importância do “cuidado integral” em saúde. Apesar disto, o aspecto da espiritualidade muitas vezes fica de fora no atendimento aos pacientes, menos em razão de admitir ou não a sua importância, mas muito mais em função da dificuldade dos/as profissionais em levar à cabo tal atendimento. Rivera-Ledesma (2007, p. 125) afirma que

atender as necessidades espirituais dos pacientes sob cuidado médico é uma realidade clínica cotidiana nas unidades de traumatologia, oncologia, e em geral naquelas áreas onde o paciente se vê confrontado com sua própria morte ou a de um ser querido, e a Organização Mundial de Saúde tem enfatizado sua importância.”

Contudo, como fazer isto? Será que o atendimento às necessidades espirituais cabe exclusivamente ao capelão ou aos líderes religiosos? Qual a postura do/a psicólogo/a? Qual o papel do/a médico/a, enfermeiro/a, de cada clínico envolvido no atendimento aos pacientes em relação a essa questão?

Rivera-Ledesma debruça-se sobre este tema explorando “a inserção do espiritual nos quatro recursos psicoterápicos básicos que constituem o arsenal clínico em psicologia: o Acompanhamento, o Aconselhamento, a Psicoterapia e os Sistemas Psicoterápicos”. Para o autor do estudo, não se está em discussão a importância do atendimento espiritual aos pacientes, mas sim “como” realizar tal atendimento, uma vez que

cada especialidade parece expressar no enquadre clínico que lhe é característico distintos questionamentos profissionais e éticos, circunscrevendo sua atuação a um certo nível de intervenção em relação ao espiritual. Sem dúvida parece que não existe ainda um claro consenso que permita elucidar: ‘Quem deve ser responsável pelas necessidades espirituais de um paciente e como?'”

Este assunto foi objeto de reflexão e pesquisa de doutorado de Rivera-Ledesma, na cidade do México. Seu estudo em muito contribui para a prática clínica nas diferentes áreas profissionais (medicina, psicologia, líderes espirituais, capelães, enfermagem, etc) que se ocupam do cuidado integral em saúde. O autor conclue seu trabalhando lembrando da importância “de não se desdenhar da importância do espiritual. Esta área da vida humana que tem sido segregada do campo da psicologia, e que parece ser necessário hoje em dia, assinalar um lugar para além do apaixonamento/ardor da fé e do ceticismo academicista contemporâneo”.

Vale a pena ler esse trabalho com atenção.

Acesse o texto completo: Prática Clínica e Espiritualidade.

Do sentimento de culpa à noção de “concern” – contribuições winnicottianas outubro 1, 2007

Posted by psicologiadareligiao in Aconselhamento Pastoral, ética, cuidado, culpa, Winnicott.
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A palavra “concern”, trazida para o campo da psicologia, por Winnicott, é de difícil tradução para o português. Em razão disto, tradutores desse autor preferem manter a palavra no original em inglês. Em português, concern traz a idéia de “preocupação”, “cuidado”. Winnicott é conhecido pelos seus “paradoxos insolúveis”. Sua utilização da palavra concern guarda um desses paradoxos sem solução, pois, “cuidado” tem o sentido ambíguo de “desvelo”, “atenção”, e ao mesmo tempo “cautela”, “inquietação”, “preocupação”.

Em Winnicott, a noção de concern aparece como alternativa à idéia de culpa (bastante estudada por Freud, com respeito à formação do superego e à resolução do Complexo de Édipo). Em seu estudo sobre “a psicanálise do sentimento de culpa”, Winnicott observa que a idéia de “valor” no indivíduo está intimamente ligada à capacidade para o sentimento de culpa. Para ele, o sentimento de culpa não se trata de algo “natural”, pelo contrário, desenvolve-se e estabelece-se como uma capacidade para experimentar o mesmo. Em outras palavras, o sentimento de culpa, de acordo com Winnicott, está ligado ao desenvolvimento de um senso moral, ou, melhor dizendo, ao desenvolvimento de uma ética, pois, cuidado e capacidade de se preocupar não diz respeito a um comportamento desvinculado da relação com o outro, pelo contrário, a pressupõe.

Assim, a idéia winnicottiana de “cuidado” parece mais ética (valores flexíveis, construídos por opção do indivíduo em função do estilo de existência que tais escolhas implicam, como nos lembra Foucault) e menos moral (valores rígidos, tomados como certo/errado a priori, a partir de modelos já dados).

Qual a importância da reflexão acerca do sentimento de culpa e da noção winnicottiana de concern para a Psicologia da Religião? A pergunta não poderá ser respondida plenamente aqui, agora. Trata-se de um questionamento que merece maior aprofundamento futuro. Por ora, cabe pontuar apenas que Winnicott contribui com uma importante ferramenta conceitual a ser utilizada no estudo de certas formas de religiosidade que emergem na contemporaneidade. Além disso, a idéia de concern pode ajudar em muito aqueles que trabalham com o Aconselhamento Pastoral/Espiritual, pois aponta a possibilidade de uma prática de aconselhamento que tenha como baliza a ética do cuidado, e não a culpabilização moral calcada em a-priori religiosos. Assim, para começar a pensar sobre o tema, vale a pena estudar com atenção, dois textos: o de Jurandir Freire Costa: “Da dívida como culpa ao cuidado com o outro: as perspectivas de Nietzsche e Winnicott”, e o de Nahman Armoni: “Poderiam Freud e Winnicott nos ajudar a compreender as transformações morais e éticas de nossos tempos?”

Para ter acesso ao texto de J. F. Costa, clique no link abaixo.

da-divida-como-culpa-ao-cuidado-com-o-outro.doc

Além destes dois textos, vale a pena ir direto ao texto de Winnicott em:

WINNICOTT, D. W. Psicanálise do sentimento de culpa. In: WINNICOTT, D. W. O ambiente e os processos de maturação. Estudos sobre a teoria do desenvolvimento emocional. Porto Alegre, Artes Médicas, 1983.